sábado, 12 de abril de 2008

O SORRISO DO GATO DE ALICE










Morfogênese e teleologia das imagens na literatura infanto-juvenil

por Salmo Dansa, Mestre em Design
(04/10/2005)

“Nos últimos anos, a literatura infantil brasileira tem cada vez mais retornado às suas raízes ligadas aos índios aborígines e a história e cultura da África”.

Introdução

A principal ferramenta do design, assim como da ilustração é o desenho. Atrelado à configuração de objetos e sistemas de informação o desenho se relaciona com o texto, seja como elemento que atua junto à tipografia ou indiretamente no planejamento dessas produções estéticas nas quais a ilustração se insere.

Mas, o prazer de desenhar não é o mesmo que o de ilustrar um texto. O desenho é expressão pura. É um sentimento traduzido em imagens que são “o resultado do esforço de se abstrair duas das quatro dimensões de espaço-tempo para que se conservem apenas as dimensões do plano”.

Desenhar, portanto, tem algo de conquista, pois há que se esquecer o tempo e pensar somente no espaço, conquistar, pelo esforço de conjugação entre o olhar e a mão, o percurso expressivo. O amadurecer do traço, tem a escala humana, posto que o traço que expressa, projeta, constrói é o mesmo que risca, nega e censura. Parafraseando o poeta João Cabral de Melo Neto: desenhar é cortar espaços.

Na ilustração, uma série de fatores deverá ser levada em consideração, pela influência do contexto desta expressão, que relaciona texto e leitor na programação visual. Para representar a influência recíproca entre autor e leitor na formação estética dessas imagens, apresentarei um paradoxo da obra de Lewis Carroll em Alice através do espelho.

No quarto capítulo, Alice está com os irmãos Tweedledee e Tweedledum, quando encontra o Rei vermelho dormindo. Tweedledee diz, então, a Alice que o Rei sonha com ela, mas que ela não tem existência real, é apenas “uma espécie de coisa” no sonho do Rei. “Se o Rei acordasse”, acrescenta Tweedledum, “você sumiria... puf!... exatamente como a chama de uma vela!”. O problema é que o final do livro nos revela que tudo se passa dentro de um sonho de Alice. Assim, será o Rei uma “coisa” no sonho de Alice, ou será ela uma “coisa” no sonho dele?

Será a ilustração uma “coisa” no desenho de criança ou será o desenho de criança uma “coisa” na ilustração?

Narrativa Visual

Historicamente, o livro infantil é determinado por seus atributos éticos, científicos e estéticos. Em termos da forma material, ele funciona como suporte para a interação entre o texto e a ilustração. Desde o codex, o livro se configura pela fragmentação de uma narrativa distribuída e impressa sobre determinado número de trechos retangulares e uniformes de papel, fixados pelo lado esquerdo. A partir desta forma o livro pode vir a trazer variações de forma, e conteúdo dentro das possibilidades que se estabelecem, principalmente pela predominância do seu caráter estético ou pedagógico (ético-científico).

As possibilidades e diferenças no caráter estético-pedagógico não são antagônicas. Elas incidem, primeiramente, sobre a prevalência entre memória e imaginação no fluxo de informações, que se estabelece na configuração. Posteriormente, essa prevalência vai ressaltar uma tendência na relação entre forma e conteúdo, que se apresenta subjetivamente no trânsito do olhar do leitor sobre as imagens impressas.

Neste suporte, que nos permite vislumbrar a própria história, o texto é representado pelo signo gráfico de significação imediata e, como instrumento expressivo, tem origem no conto.

As questões que surgem sobre a origem da noção de infinito no espírito humano nos indaga sobre a finitude da vida diante do tempo, a percepção da imensidão do universo ou a visão inatingível do horizonte. Cogita-se que estariam todas as possíveis origens da noção de infinito ligadas ao sentimento primeiro do tempo como uma sucessão de eventos.

Assim, encontramos dois significados para atual noção de narratividade; uma matemática e outra literária. A narratividade teria uma origem matemática, por essa relação com a sucessão de fatos e a conseqüente contagem do tempo. A estrutura: “Era uma vez – felizes para sempre” é uma alusão clara ao infinito que subjuga a existência passada num tempo indeterminado. Por este ponto de vista, esse recurso limita a narrativa que tenderia a infinitude.

Uma vez que a narrativa tem servido desde as suas origens para contar “os acontecidos, as anedotas, pequenos feitos de indivíduos isolados que servem de base à resenha futura”, ela se relaciona com o passado e a memória. A narrativa visual se relaciona com as imagens descritas no texto e também alimenta a imaginação do leitor com descrições visuais de elementos da narrativa verbal, dentro de uma projeção de figuras e cenários que compõe esse diálogo, chamado pelo editor Luís Camargo em seu artigo: Ilustração e poesia: tradução, traição ou dialogo de imagens? de “coerência intersemiótica” esta “relação de coerência, ou seja, convergência ou não-contradição, entre os significados (denotativos e conotativos) da ilustração e do texto”.

Da interação, presente nesse ir e vir entre a narração e a descrição, um universo visual e imaginativo se abre ao leitor que incorpora traços dos personagens, reinventa soluções para antigos jogos e transpõe linguagens para visualizar os elementos ausentes na ilustração ou texto. Por essas características lúdicas e imaginativas a literatura infanto-juvenil é um universo tipicamente imagético, onde a ilustração é um código visual que pode desempenhar diversas funções.

O livro infantil é ambiente “mágico” no sentido estrito que Villém Flusser emprega ao termo, pela possibilidade que as imagens dão ao leitor de estabelecer relações temporais, decodificar mensagens, estabelecer narrativas e criar significações com o texto, inventando um mundo mágico de fantasia.

“O traçado do scanning segue a estrutura da imagem, mas também os impulsos no íntimo do observador. O significado decifrado por este método será, pois, resultado de síntese entre duas ‘intencionalidades’: a do emissor e a do receptor. Imagens não são conjuntos de símbolos com significados inequívocos, como são as cifras: não são denotativas. Imagens oferecem aos seus receptores um espaço interpretativo: símbolos ‘conotativos’”.

A ilustração é imagem tradicional pelo processo artesanal de elaboração e é imagem técnica pelo processamento editorial e reprodução em série, tendo dupla via de significação com o texto. Elas contêm, ao mesmo tempo, o germe da tradição (memória) e da projeção (imaginação) que repercutem na interface existente entre arte e educação.

Pelas características estéticas, ela imita a vida, pois se propõe a representá-la com imagens, exprimindo-se com cores e figuras em determinado ritmo, harmonia e linguagem, usando isso em conjunto, pela passagem das partes da narrativa distribuídas e impressas sobre as páginas.

No ritmo da narrativa existem algumas variáveis programadas pelo autor e outras adotadas pelo leitor. O projeto (ou programa) relaciona as informações dentro do ambiente gráfico, a fim de facilitar o acesso às informações contidas nas ilustrações. A qualidade das imagens, por sua vez, vai determinar a qualidade da fruição, percepção e entendimento dos elementos que compõe a ilustração. O contexto da leitura é determinante do tempo de scanning e, além disso, as influências do ambiente externo e a motivação intrínseca do leitor vão compor em conjunto o ritmo da narrativa visual.

A harmonia seria a combinação de elementos diferentes e individualizados, ligados por uma relação pertinente que se encontra em cada imagem ou no conjunto de imagens que ilustram o livro. Seria o modo de combinar cores e proporções nos elementos do trabalho, visando o prazer estético ou sentimento de beleza. No sentido aristotélico, o livro, assim como todo o objeto que se propõe belo, deverá se decompor em partes.

“(...) o belo – ser vivente ou o que se componha de partes – não só deve ter essas partes ordenadas, mas também uma grandeza que não seja qualquer. Porque o belo consiste na grandeza e na ordem, (...) assim também os mitos devem ter uma extensão bem apreensível pela memória”.

A linguagem visual da Literatura Infanto-Juvenil se apresenta dentro de limites genealógicos, morfológicos e teleológicos que se diferenciam qualitativamente dentro do perfil socioeconômico e cultural de uma região. As ilustrações são produzidas de modo predominantemente individual e artesanal, a partir de uma estrutura projetada (programa).
Morfogênese e Teleologia da ilustração

A ilustração se origina de relações subjetivas entre os elementos projetados e suas resoluções técnicas de desenho ou produções gráficas daí advindas. Esses procedimentos e a articulação de materiais são artifícios subjugados à poética do autor, que segue determinada coerência entre a programação visual e o texto, atribuindo uma “função dominante” à imagem, dentro de uma “hierarquia de funções” que esta pode desempenhar. Deste modo, observamos o quanto a morfogênese e a teleologia são fatores interdependentes.

A ilustração infantil traz uma visualidade que tem origem no imaginário das fábulas e contos de fadas, e segue a estrutura que trata o mito como um ser vivente. Assim, para entendermos a estrutura, devemos compreender o “todo” da narrativa como princípio, meio e fim, para que, esse “todo” possa ser apreendido pela memória, como estabelece a poética aristotélica.

“O limite imposto pela própria natureza das coisas é o seguinte: desde que se possa apreender o conjunto, uma tragédia tanto mais bela será quanto mais extensa. (...) podemos dizer que o limite suficiente de uma tragédia é o que permite que as ações, uma após outra, sucedidas conformemente à verossimilhança e à necessidade, se dê o transe da infelicidade à felicidade ou da felicidade à infelicidade. “

A linguagem visual do livro infantil pode ser codificada a partir do conjunto de imagens que compõe o livro e na sua relação com o texto. Seria uma linguagem estruturalista, onde o todo é um sistema superior à soma das partes. Assim, as ilustrações, (que vez por outra aparecem como narrativa independente nos livros de imagem), se diferenciam da “linguagem da pintura”, já que estas imagens são programadas para significarem textos mentais constituídos pela tendência que o sujeito tem de compor uma história, verbalizando internamente aquilo que é entendido por meio da seqüência de imagens.

Essa função narrativa que a ilustração desempenha acontece anteriormente, nos desenhos de criança. Desde as garatujas, nos sucedâneos e jogos lúdicos, a “fala egocêntrica” já descreve as cenas e acontecimentos imaginários. Este “instrumento do pensamento” é descrito por Jean Piaget como parte da expressão polifônica que é indissociável da expressão gráfica.

Por isso, para compreender a linguagem visual da literatura infantil e a sua pluralidade de significados podemos observar o desenvolvimento do grafismo infantil a partir da genealogia do ilustrador. Mesmo sendo adulto o ilustrador vai até a gênese do seu desenvolvimento como artista para buscar a comunicabilidade com seu público.

Por outro lado, podemos entender essa origem como ontológica tomando os grafismos das cavernas, túmulos etruscos e pictografia egípcia, (por exemplo) como “berços” das narrativas visuais. Dessa forma, podemos entender os processos de produção do livro como um “acontecimento” dentro da “estrutura” histórica, que é o sistema de representação gráfica.

Esse sistema, no caso do livro infantil, tem adotado uma programação que relaciona a informação com a identidade do próprio grafismo infantil. Pela ótica de Flusser, torna-se observável a desvalorização do objeto de design e a valorização da informação imagética na sociedade pós-industrial. Assim, o livro pode ser visto como brinquedo no qual a combinação das informações programadas pelo designer-ilustrador são virtualidades que potencializam o objeto. A narrativa visual é, por esse aspecto, sistema que contém determinado número de informações programadas editorialmente como “aparelho” estético-educativo.

“Os programas dos aparelhos são compostos de símbolos permutáveis. Funcionar é permutar símbolos programados. Um exemplo anacrônico pode ilustrar tal jogo: o escritor pode ser considerado funcionário do aparelho ‘língua’ brinca com símbolos contidos no programa lingüístico, com ‘palavras’, permutando-os segundo as regras do programa. O exemplo é anacrônico porque língua não é verdadeiro aparelho. Não foi produzida deliberadamente, nem recorreu a teorias cientificas, como no caso de aparelhos verdadeiros. Mas serve de exemplo ao funcionamento de aparelhos.”
Morfologia

A identidade visual da Literatura Infantil se constitui em uma relação estética entre o ilustrador, o livro e a criança. A criança, no início, se identifica preferencialmente, com as imagens do livro e, gradativamente, esses símbolos vão sendo substituídos pelas palavras no processo de alfabetização. Mas, é curioso notarmos que é justamente este o período mais produtivo e criativo do desenvolvimento do grafismo infantil.

Essa identificação da ilustração com os grafismos infantis é uma estilização premeditada simulando a ingenuidade e a simplificação do desenho infantil em representações de crescente apuração técnica. Como o desenho de criança se configura como um processo icônico, o que se propõe é uma afinidade entre o autor e o leitor das ilustrações. Essa estilização ou “iconização” da imagem visa, sobretudo, ao entendimento e à comunicação entre as partes, e por esse aspecto, podemos dizer que quanto mais inteligível é uma imagem maior a sua comunicabilidade.

As características do desenho de criança se apresentam nas diferentes fases e em diferentes proporções, sob a influência de tendências opostas e complementares, posicionadas entre o “genérico” e o “singular”. Pelo caráter social desta expressão, a representação tende a ser mediada por intermédio de ícones que caracterizam o estágio de desenvolvimento e, sobretudo, na medida em que o ambiente social pode influenciá-la, determinando esta influência como mais generalizante ou singularizada mais individual ou comum ao grupo.

“O sistema figurativo exuberante e tônico que surgiu conquista sem cessar novos espaços, territórios, tempos, figuras, sucedâneos, textos, jogos. Cada ocasião é uma oportunidade de desenvolvimento ou de confirmação. A tendência geral e a tendência individual coabitam, rivalizam ou se distinguem.

Após uma longa pausa muito criativa, o sistema amadurece e depois se estabiliza.

Para a maioria das crianças e pré-adolescentes o sistema tem uma tendência genérica mesmo se mantendo em uma zona de grande estabilidade. Aqui começa a imagem inicial na forma adolescente ou adulta.”

O desenho para criança traz a audácia e o empirismo do grafismo da criança na memória. Mas, assim como lembrança de rever um lugar ou ouvir uma música não nos traz o mesmo sentimento da primeira vez, do mesmo modo, a ilustração também perde a sua essência infantil. Afinal, a memória de um prazer é um sentimento do aprendizado, como uma conduta de aproximação. Assim, vez por outra, somos tomados pela nostalgia das primeiras imagens, mas já não conseguimos ter de volta o frescor daquele momento.

Quando isso acontece, nos deparamos com uma dupla face da sensação estética: por um lado precisamos da memória que nos proporciona reviver um momento, por outro lado, precisamos de novas sensações estéticas que nos permita lidar com o novo. Este mesmo sentimento dicotômico entre a preservação da memória e o risco imaginativo é vivenciado no processo de formação do grafismo infantil de modo menos consciente, como assinala Bernard Darras nos seguintes termos:

“Existe uma outra atribuição, graças a qual as exceções, acidentes, detalhes, diferenças são valorizados em detrimento das semelhanças. Ao mesmo tempo em que algumas características são valorizadas pela semelhança, outras são desprezadas. Estes dois processos não têm conseqüências recíprocas, são modos de agir que se conjugam nas operações icônicas, um é subtrativo e outro é assimilativo.”

Como criador de imagens, o ilustrador lança mão de recursos comuns à criança, que vive entre 8 a 10 anos de idade o ápice do desenvolvimento do seu grafismo. Estes recursos são processos cíclicos menos perceptivos e mais intelectualizados quanto ao processo de configuração. Seja pelo simbolismo das imagens, seja pela identificação com o seu público na busca de comunicação, a constituição dessa linguagem visual passa pela sua capacidade de síntese e representação nas imagens.

O termo novato é limitado para as crianças. Uma criança de 8 a 10 anos é mestra de seu sistema de representação; experiente da imagem inicial. Como um expert ele vai mensurar suas experiências e confirmar, em cada ocasião, as leis de seu sistema no quadro de sua prática.

O estudo das características do traçado infantil, ao longo das últimas décadas, demonstra semelhanças incontestáveis entre a arte primitiva e o desenho da criança. Pela teoria intelectualista, essa bidimensionalidade, geometrização e gestualidade que caracteriza o desenho infantil são o que o aproxima dos pintores do período neolítico, índios americanos e homens das tribos africanas. A influência da cultura indígena e afro-brasileira na Literatura Infanto-Juvenil é um sinal dessa identidade.

“Nos últimos anos, a literatura infantil brasileira tem cada vez mais retornado às suas raízes ligadas aos índios aborígines e a história e cultura da África”.
Assim inicia a resenha sobre o livro Lendas Negras no catálogo de 2002 de obras premiadas pela instituição Alemã, Internationale Jugend Bibliothek Munchen. A arte naif e as estilizações que decorrem do primitivismo, também vão de encontro a essa tendência.

Notório também tem sido o incentivo institucional na formação da identidade visual da literatura infantil, pela obrigatoriedade do ensino da história da cultura afro-brasileira (lei 10.639/03), em todo o currículo escolar nacional, e ainda, pelo apoio dado pela Fundação Nacional de Livro Infanto-Juvenil (FNLIJ) à produção de livros de autores indígenas. O catálogo da instituição na feira de Bologna, na Itália, em 2004, por exemplo, trazia homenagem aos autores indígenas brasileiros com textos, fotos e resenhas especiais.

É fato que estamos vivendo um momento de valorização nacional e internacional da cultura indígena e afro-brasileira dentro da nossa literatura infanto-juvenil. Nesse processo, a ilustração tem papel decisivo pela conformidade entre o imaginário afro, indígena e infantil.
Teleologia

A questão funcional demarca o espaço da memória e da imaginação pela concomitância entre a função estética e pedagógica da ilustração infantil. A morfogênese do desenho para criança estabelece em que medida o processo de constituição da sua identidade visual se dá pela confluência de fatores ontológicos, históricos e lingüísticos.

No entanto, essa dualidade entre o que é singular e o que é genérico está presente em toda a produção estética, influenciando as gradações entre beleza, verdade e bondade. Esses sentidos estéticos, científicos e éticos das imagens de design são valores que variam dentro das diferenças culturais de cada região e se estendem desde à expressão pessoal e singular identificada como gosto, até a expressão coletiva e genérica presente na moda. Essa troca de influências entre o individuo e o grupo está presente no processo de avaliação estética, como descreve o professor Gustavo Amarante Bomfim, em Notas de Aula sobre Design e Estética.

“Nos processos de avaliação estética normas e tendências de gosto se misturam de tal maneira, que nenhuma avaliação subjetiva poderá estar isenta da influência de normas estéticas do passado e do presente, do mesmo modo que nas avaliações ‘objetivas’, quando as normas são constantemente subvertidas pelo gosto”.

Na ilustração infantil, o ciclo de interação autor-leitor é a mediação entre potencialidade e desafio. A ilustração, que no sentido geral serve para ornar ou elucidar o texto, poderá desempenhar diversas funções no livro infantil, em determinada gradação de cada uma dessas qualidades em relação às outras. Segundo Luís Camargo, “a imagem pode desempenhar até onze diferentes funções: representativa, descritiva, narrativa, simbólica, expressiva, estética, lúdica, conotativa, metalingüística, fática e pontuação.”

Na conjunção e gradação dessas funções, as imagens serão códigos que surgem em relação ao texto e o desafio será decifrá-los. Nesse processo, existe um embate intelectual na utilização dos recursos programados pelo autor como informação. Na medida em que os desafios propostos pelo autor são maiores do que as potencialidades do leitor, maior deverá ser o prazer estético proporcionado, para que o leitor seja motivado a continuar a decodificação. A imagem deverá conter informação, mas, sobretudo, deverá proporcionar o prazer estético.

Durante a fruição, o livro, aparelho estético-pedagógico, torna-se um meio de interação entre autor e leitor e o olhar é o canal de acesso para a fruição da obra. Nessa decodificação, o aparelho ótico é analógico ao aparelho digestivo e se presta a nutrir o sujeito para a sobrevivência no ambiente sociocultural. A leitura das imagens acontece quando o leitor vai estabelecendo relações mágicas entre os elementos das imagens que desmitificam e remagicizam o texto como estabelece Villen Flusser:

“A imaginação, à qual [as imagens] devem sua origem, é capacidade de codificar textos em imagens. Decifrá-las é reconstituir os textos que tais imagens significam. Quando as imagens técnicas são corretamente decifradas, surge o mundo conceitual como sendo o seu universo de significado.”

Conclusão

O desafio de elaborar símbolos para um mundo repleto de imagens é muitas vezes o risco entre o apelo da mídia e as limitações do tempo e da tradição. Enquanto fazemos nosso trabalho, tudo parece andar rápido ao redor, talvez pelo ritmo vagaroso, próprio dessa atividade, o que faz diferença para o artista é a possibilidade de expressão e o retorno que a comunicação permite.

A narratividade dos livros infantis e o discurso subjacente se configuram como linguagem onde as imagens podem ser vistas como código na sua relação com o texto por uma coerência intersemiótica. Essa linguagem da ilustração, na sua utopia ou interdisciplinaridade, tende a ser uma ponte entre a produção estética e a educação. A diversidade de funções e, sobretudo, a vocação narrativa e descritiva dessas imagens abrem uma gama de possibilidades tanto no campo do design, pela troca de influências com todo tipo de produção estética, quanto em áreas como a educação, pela possibilidade de transmitir mensagens.

A formação do discurso visual da criança traz junto uma verbalização que tem um caráter narrativo indissociável da expressão gráfica, já que esta se completa na sua polifonia; gestual, postural, oral, verbal e social. Essa narratividade tem influência na morfogênese da ilustração por uma memória subjetiva desse estágio do desenvolvimento do autor. Por outro lado, acreditamos que essa origem venha também de uma tradição remota do ser humano de narrar visualmente eventos históricos, visões e experiências desde o tempo das cavernas.

Na identificação entre autor e leitor, reconhecemos uma afinidade com o intelectualismo, que vê na bidimensionalidade, geometrização e gestualidade, elementos de identificação com o imaginário indígena e africano, tão valorizados atualmente.

A Teleologia da ilustração, como fator interdependente da morfogênese, vai reafirmar questões originais da tendência estético-pedagógica da narrativa visual e da comunicação entre a criança e o ilustrador. Por uma estilização e simplificação da figura na imagem, ela tende a ser comunicativa. Por isso, o programador visual durante a configuração do livro, propõe ao leitor a conjugação de um deciframento e um prazer estético que se encontram como gradações de ritmo, harmonia e linguagem dentro da narrativa.

O desenho infantil é influenciado pelo ambiente visual e auditivo que o circunda e o reflete, como um ciclo dialético de formação mútua entre sujeito e objeto. A ilustração, por sua vez, procura a linguagem tentando perceber seus potenciais estético-pedagógicos, as influências na sua morfogênese e a sua função dentro deste ciclo.
Referências bibliográficas

Alencar, José Salmo Dansa de. O começo é o fim pelo avesso. Dissertação de mestrado: PUC Rio, 2004

Aristóteles. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1987

Bomfim, Gustavo Amarante. Notas de Aula sobre Design e Estética. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2001.

Camargo, Luís. Ilustração e poesia: tradução, traição ou dialogo de linguagens? In: http://ww2.italnet.com.br/garatuja/artigo10/camargo.htm

Darras, Bernard. Au commecement était l’image. Du dessin de l’enfant à la communication de l’adulte. Paris: ESF éditeur, 1996

Flusser, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002

Sosa, Jesualdo. A literatura Infantil. São Paulo: Cultrix; Ed Universidade de São Paulo, 1978

do site www.educacaopublica.rj.gov.br

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