sábado, 12 de abril de 2008

No céu tem prozac










Soares Feitosa


    Para Francisco, quatro anos, Brasil, Seca do 93; ele partiu depois de perguntar à mãe se no Céu tem pão.

Sob a ira de Zeus,
o monge balbucia,
entoam-se os mantras sagrados,
aperta-se o cilício,
o globo se equilibra,
em peripécia
e gira.

    Adiam-se-lhe os minutos,

    ao gesto do amor,

    sacrifícios e devoções:

    êxtase de Margarida,

    êxtase de Madre Teresa,

    êxtase do Cura D’Ars,

    êxtase da irmã Dulce;

gira e gira,
sustida em piedade, Colunas de Hércules,
Atlas da Fé — a destruição merecida —,
gira e gira — adiada —
a serviço do mal,
sob o império do mal,
o mundo gira e gira...

Os santos vigiam e guardam, só eles:
vigiai e orai!

Mãe, no céu tem pão?

Pois nem só de pão vive o homem:
há que ter pão, do céu,
ao espírito;
há que ter pão, em cima da mesa,
aos escolhidos;
há que ter pão, debaixo da mesa,
aos enjeitados;
sempre existirão pobres convosco,
migalhas a Lázaro;
ao banquete, as libações:

Saúde, muita saúde, Coronel!

Tem, filhinho, muito pão,
pão-doce, pão-seco, muito pão,
.................. aquele,
............................ bem gostoso .........................
................................................................................ durma, filhinho,
amanhã, deixo você brincar...
Durma, meu amor.



Auriverde pendão de minha terra,

que a brisa do Brasil beija e balança...
Famintas do meu Brasil
precisam sonhar com um pão,
as crianças, às portas do Céu,
para entrar no Céu;
verás, infante,
não há país como este;
em se plantando, ó Caminha,
sim, plantaram,
plantaram nas algibeiras,
onanistas do metal;

plantaram fora, nas Flóridas,
plantaram no sigilo, Gstaad,
plantaram a mandioca,
sob a Floresta, sobre o calcário, no pampa imenso,
vinte centímetros, dizem,
cobriria a Cisplatina,
aterraria o Prata...

Em se plantando, seu Caminha,
o que dá, não dá;

o que deu, não deu,
nunca deu...!
o que deu, o gato comeu;
o que sobrou, o rato roeu.

———— Tem mesmo, mãe, tem...
verdade,
lá,
no céu,
tem pão?

(Em tom de ninar, em voz só de mãe):

Desce gatinho,
de cima do telhado,
para ver o Francisquim
dormir bem sossegado...

Desce, gatinho,
de cima do telhado,
para ver o Francisquim
dormir bem sosssegado...

Adormeceu ...................................... :

Dormiu.

Causa mortis:

inanição,

morte.


E dormimos,
todos,
o sono dos justos:

In,
in memoriam;
in,
infamiam;
in,
injustitiam:

Prozac!

Salvador, boca de noite de 12.7.1994


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