Que
me desculpem os desesperados, mas solidão é fundamental para viver.
Sem ela não me ouço, não ouso, não me fortaleço. Sem ela me diluo, me
disperso, me espelho nos outros, me esqueço. Não penso solto, não mato
dragões, não acalanto a criança apavorada em mim, não aquieto meus
pavores, meu medo de ser só. Sem ela sairei por aí, com olhos
inquietos, caçando afeto, aceitando migalhas, confundindo estar
cercada por pessoas com ter amigos. Sem ela me manterei aturdida,
ocupada, agendada só para driblar o tempo e não ter que me fazer
companhia. Sem ela trairei meus desejos, rirei sem achar graça,
endossarei ideias tolas só para não ter que me recolher e ouvir meus
lamentos, meus sonhos adiados, meus dentes rangendo. Sem ela, e não
por causa dela, trocarei beijos tristes e acordarei vazia em leitos
áridos. Sem ela sairei de casa todos os dias e me afastarei de mim,
me desconhecerei, me perderei. Solidão é o lugar onde encontro a mim
mesma, de onde observo um jardim secreto e por onde acesso o templo em
mim. Medo? Sim. Até entender que o monstro mora lá fora e o herói
mora aqui dentro. Encarar a solidão é coisa do herói em nós,
transformá-la em quietude é coisa do sábio que podemos ser. Num mundo
superlotado, onde tudo é efêmero, voraz e veloz a solidão pode ser oásis
e não deserto. Num mundo tão estressado, imediatista, insatisfeito a
solidão pode ser resgate e não desacerto. Num mundo tão leviano,
vulgar, que julga pelas aparências e endeusa espertalhões, turbinados,
boçais a solidão pode ser proteção e não contágio. Num mundo obcecado
por juventude, sucesso, consumo a solidão pode ser liberdade e não
fracasso. Solidão é exercício, visitação. É pausa,
contemplação,observação. É inspiração, conhecimento. É pouso e
também vôo. É quando a gente inventa um tempo e um lugar para cuidar
da alma, da memória, dos sonhos; quando a gente se retira da multidão e
se faz companhia. Preciso estar em mim para estar com
outros. Ninguém quer ser solitário, solto, desgarrado. Desde que o
homem é homem, ou ainda macaco, buscamos não ficar
sozinhos. Agrupamo-nos, protegemo-nos, evoluímos porque éramos um
bando,uma comunidade. Somos
sociáveis, gregários. Queremos amigos, amores. Queremos laços,
trocas, contato. Queremos encontros, comunhão, companhia. Queremos
abraços, toques, afeto. Mas, ainda assim, ouso dizer: é preciso
aprender a estar só para se gostar e ser feliz. O desafio é poder
recolher-se para sair expandido. É fazer luz na alma para conhecer os
seus contornos, clarear o caminho e esquecer o medo da própria sombra.
Fique em ótima companhia
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