quarta-feira, 11 de junho de 2008

Aparecimento da linguagem

A invenção da linguagem foi, sem dúvida, o maior passo (diria que foi o decisivo) para o bicho homem se tornar o rei da natureza. Foi a maior manifestação de inteligência e de criatividade desse animal frágil, que tinha tudo para ser esmagado, destruído, eliminado pelas demais espécies, dada sua notória fragilidade física, mas que, graças ao instrumento da razão, superou suas limitações, evoluiu, se organizou em sociedade e se tornou o que é.
E, apesar dos tantos avanços e recuos – como as marés – que vem experimentando ao longo do relativamente curto período da sua existência, no correr de algumas centenas de gerações, prossegue em seu processo evolutivo, cujos limites estão além da imaginação.
E quando tudo isso aconteceu? Em que momento da sua história o homem criou essa convenção, aceita não apenas por um, mas por todos os integrantes do primitivo clã? Que memória que esses nossos avós das cavernas tiveram para memorizar os mais diversos sons emitidos pelas suas gargantas e repeti-los, sempre, invariavelmente com o mesmo significado!
Em que preciso instante essas emissões sonoras deixaram de ser meros grunhidos, gemidos e gritos (que, de fato, eram) para se tornarem coerentes, inteligíveis e, sobretudo, reproduzíveis? Quem foi o criador das primeiras palavras, das primeiras sentenças, da primeira manifestação verbal entendida por todos e não apenas por alguns mais inteligentes? E quais foram elas? Em que circunstâncias e lugar isso ocorreu?
Mistério! É impossível de se responder a esses questionamentos (e similares) com precisão (ou pelo menos, aproximação), porquanto não restou o mínimo registro, o mais leve vestígio desse passo decisivo do homem em sua luta para sobreviver enquanto espécie. Pode-se, apenas, especular a propósito e as especulações que o tema enseja, convenhamos, são inúmeras, virtualmente infinitas, de acordo com o conhecimento e a imaginação de cada um.
Johann Gottfried von Herder, filósofo alemão do século XVIII, tratou desse assunto. E entre os tantos textos que nos legou, foi autor do famoso “Ensaio sobre a origem da linguagem”, de onde extraí este trecho, que considero fundamental: “Quando o homem se viu colocado no estado de reflexão que lhe é próprio e quando a reflexão pôde pela primeira vez atuar livremente, o homem inventou a linguagem”. Pode, é verdade, não ter sido nesse momento. A probabilidade maior, porém, é que, de fato, foi o que aconteceu.
Da invenção do “falar”, este animal surpreendente e paradoxal, misto de semi-deus e fera, evoluiu para algo ainda mais miraculoso e fantástico: a escrita. Afinal, foi através dela que pôde registrar pensamentos, sentimentos, ações e experiências, transmitidos de uma geração a outra, impedindo que fossem esquecidos e se perdessem, simplesmente, no ar, acelerando o processo de evolução mental e, por conseqüência, material da humanidade.
O mais surpreendente de tudo, porém, é o fato do homem haver criado não apenas “uma” linguagem falada (e posteriormente, escrita) que fosse universal, ou seja, utilizada por todos, absolutamente todos os espécimes da espécie. Criou várias, talvez simultaneamente, e em grupos separados por distâncias imensas, por continentes até, que não mantinham contato algum entre si e sequer tinham conhecimento da existência uns dos outros.
Não fosse assim, haveria uma única língua no mundo e não essa multiplicidade de idiomas e de dialetos, tão diferentes uns dos outros. Que raiz comum há, por exemplo, entre o inglês e o chinês? E entre o português e o swahili? Nenhuma! E mesmo passados milênios desse momento supremo de criação, apesar do homem haver encurtado distâncias e transformado o Planeta numa única e gigantesca aldeia, a despeito da instantaneidade dos meios de comunicação, como o telefone, o rádio, a televisão via satélite, a internet etc., apenas uma palavra ou outra, aqui e ali, dos vários idiomas existentes, foi incorporada àquele que falamos.

Um comentário:

Gustavo disse...

Interessante o seu texto. Mas, pensando bem, acho que tem uma coisa estranha: primeiro. Há uma série de sociedades que não possuem escrita. Isso quer dizer que elas não têm memória? Difícil uma conclusão apriorística como essa.
Segundo: existem inúmeros alfabetos que permitem a escrita. O que nós usamos, por exemplo, reproduz apenas sons. O alfabeto chinês reproduz, pelo desenho, qualidades e idéias. Um traço, se realizado da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita, não significa a mesma coisa. Qual é a escrita verdadeira? Esta que uso aqui, ou a chinesa? Elas também parecem muito diferentes...
Isso é só para que você pense muito antes de usar o termo "humanidade". A humanidade é muitas coisas e, no mais das vezes, as outras coisas, que não são o que nós somos, costumam ser muito, mas muito mais interessantes...